Há acontecimentos que exigem pausa.
Alguns meses passam diante dos nossos olhos como quem risca um fósforo — rápidos, intensos, luminosos — mas deixam um calor que demora mais tempo para ser entendido.
Outubro foi assim para mim.
E talvez por isso eu tenha esperado dezembro para escrever sobre ele.
Não apenas porque vivi demandas profundas no final do ano — entre projetos, entregas, articulações e desafios — mas porque eu precisei respeitar o meu próprio tempo.
O tempo de metabolizar o vivido, de compreender seus sentidos, de deixá-lo decantar.
E foi nesse intervalo silencioso que o título desta coluna ganhou espessura: Competências que criam o futuro.
Porque, enquanto eu atravessava outubro e novembro com intensidade, o anúncio do Prêmio Nobel de Economia ecoava ao fundo, revelando algo que ia muito além da economia: um chamado para entendermos que o futuro não se improvisa — ele se constrói nas competências que escolhemos cultivar.
Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt foram reconhecidos por mostrar ao mundo que inovação não é apenas técnica, mas cultura. Não é apenas tecnologia, mas comportamento. Não é apenas destruição criativa, mas capacidade humana de lidar com a mudança.
E, com essa lente, tudo o que vivemos aqui no território começou a ganhar outro sentido.
Onde o futuro amadurece dentro de nós
Quando olhamos para Campina Grande, é natural celebrarmos nossas competências técnicas: ciência sólida, pesquisas relevantes, criatividade aplicada, tecnologia que pulsa desde os bastidores até os palcos mais visíveis. Somos um território fértil, feito de gente que faz — e faz com excelência.
Mas o Nobel de 2025 nos convida a olhar para outra dimensão: a das competências humanas.
E não porque elas faltem aqui — mas porque elas, como em grande parte do país, ainda podem se fortalecer, se expandir, se tornar método e prática.
O conhecimento técnico abre portas, mas são as competências humanas que nos permitem atravessá-las com maturidade e colaboração.
Como eu escrevi em A Maior Tecnologia do Mundo , a força real de um ecossistema está nas relações que o sustentam. E outubro mostrou isso de forma muito clara.
Vivemos em uma cultura que ensina a resolver problemas complexos, mas quase nunca ensina a lidar com frustração, ambiguidade ou mudança. Uma cultura que valoriza o “saber fazer”, mas pouco desenvolveu o “saber sentir, saber escutar, saber cocriar”.
Não é algo específico de Campina. É uma característica histórica nacional.
E ver isso não diminui nossa força — amplia nosso potencial.
Porque Campina Grande está justamente no ponto em que técnica e humanidade começam a caminhar juntas. E é aí que a inovação verdadeira nasce.
Um país de talento abundante que começa a cultivar suas competências humanas
Quando ampliamos o olhar para o Brasil, o diálogo com o Nobel fica ainda mais evidente.
Somos um país de talentos múltiplos, imaginação inesgotável e criatividade que brota de todos os lugares — das escolas, das comunidades, das universidades, das empresas, das ruas. Mas o crescimento sustentável exige mais do que genialidade.
Ele exige ambiente, cultura e práticas que fortaleçam as competências humanas.
Por décadas, não tivemos políticas públicas estruturadas que tratassem habilidades emocionais, sociais e criativas com a mesma seriedade que tratam de conhecimentos técnicos. Isso explica por que ainda:
valorizamos mais respostas do que perguntas, confundimos autoconfiança com flexibilidade, colocamos a técnica num pedestal e deixamos o relacionamento como detalhe, temos dificuldade com tensões produtivas, tememos o novo quando ele desafia estruturas antigas.
Isso não é fracasso.
É contexto.
É formação histórica.
É cultura em processo de transformação.
O Nobel nos lembra que inovação exige desaprender e reaprender — e isso é emocional antes de ser lógico.
Hoje, começamos a avançar: educação integral, programas de bem-estar, metodologias que estimulam autonomia, criatividade, pensamento crítico e colaboração.
E nesse cenário, como escrevi sobre o E.InovCG – Ecossistema de Inovação de Campina Grande , entendemos que ambiência é infraestrutura. Que inovação se sustenta em vínculos.
O Brasil não tem um déficit. Tem uma oportunidade histórica de tornar as competências humanas seu maior diferencial global.
O mundo que avança com tecnologia, mas só prospera com humanidade
Ao olhar para os países que também avançam na inovação, vemos que todos investem nas competências humanas que o Nobel destacou como invisíveis, mas essenciais.
A Suécia reforça a escrita manual para desenvolver atenção e profundidade cognitiva.
A Finlândia baseia sua educação em vínculos e colaboração.
Holanda e Dinamarca tratam a criatividade como eixo econômico.
O Canadá pratica políticas públicas de bem-estar emocional.
A Coreia do Sul, depois de décadas de rigidez conteudista, investe em imaginação e cultura inventiva.
O recado do mundo é simples e preciso:
Tecnologia acelera. Humanidade sustenta.
A economia global está dizendo que algoritmos não substituem relações, e que inovação não prospera onde pessoas não são preparadas para lidar com a complexidade da vida.
O Nobel não premiou a técnica. Premiou a capacidade humana de criar o novo sem destruir o essencial.
Quando a inovação nasce das relações, qual é o papel que escolhemos assumir
É nesse ponto que vejo, com muita clareza, o sentido do que construímos na Experaí Criativa, no E.InovCG e agora no Palco da Inovação.
Quando publicamos autores locais, fortalecemos mais do que a economia criativa: fortalecemos a capacidade de um território de se narrar, se interpretar e se reinventar.
Quando articulamos o ecossistema, criamos redes de confiança — aquilo que sempre defendo como tecnologia social e que transforma territórios. E quando desenhamos o “Palco da Inovação”, não estamos formando apenas negócios: estamos formando pessoas capazes de sustentar seus próprios ciclos de mudança, criação e liderança.
Porque inovação não nasce das máquinas. Nasce das pessoas, das conexões e do aprofundamento das relações. Nasce do papel que escolhemos assumir nelas.
Quando compreendemos o que o Nobel está dizendo
Escrever esta coluna agora, em dezembro, foi a forma que encontrei de honrar o tempo de cada reflexão — e também de honrar a mim mesma.
O Nobel de Economia nos lembrou que inovar é, antes de tudo, um ato humano. E o que vivemos no nosso território confirmou essa verdade.
Temos técnica, talento, criatividade e história. O que estamos aprendendo agora — como cidade, como país e como mundo — é a sustentar emocionalmente os caminhos que escolhemos percorrer.
A inovação não acontece sozinha. Ela acontece onde as pessoas se preparam para recebê-la.
O novo não chega quando o mundo muda — ele chega quando nós mudamos juntos.
— Julianna Dutra

